À Segunda Vista

Sobre Estética Textual

SOBRE ESTÉTICA TEXTUAL


Às vezes me desfaço
Às vezes me desfaç
Às vezes me desfa
Às vezes me desf
Às vezes me des
Às vezes me de
Às vezes me d
Às vezes me
Às vezes m
Às vezes
Às veze
Às vez
Às ve
Às v
Às
À
S
Se
Sem
Semp
Sempr
Sempre
Sempre m
Sempre me
Sempre me r
Sempre me re
Sempre me ref
Sempre me refa
Sempre me refaç
Sempre me refaço

(Autor desconhecido)


SOBRE ESTÉTICA TEXTUAL

É algo com que me preocupo sempre que escrevo, tanto poemas quanto matérias jornalísticas. Não é apenas a formatação das palavras, como muitos pensam. "Texto" não é só redação, pode ser um desenho, um vídeo, uma foto, enfim... várias composições na comunicação.

Por exemplo, uma redação lida por alguém é diferente da mesma redação ouvida pelo mesmo alguém. Muitas pessoas sabem escrever ótimas redações, mas não necessariamente bons textos.

Isso porque têm boas ideias e argumentos, mas tem pouco conhecimento em como fazer a composição - especialmente quando é responsável por compor redações de uma pessoa com fotos de outra.

No jornalismo, essa ignorância é bastante comum na hora da diagramação. Às vezes, por melhor que seja uma redação ou uma foto isoladamente, juntas não "se casam".

Porém, enquanto escritor (de redação, pleonasticamente falando), a estética textual ocorre de duas formas: a visual e a sonora.


VISUAL x SONORA

estética VISUAL é percebida quando o leitor bate o olho no texto. Ela pode ser otimizada com palavras de sílabas simples, com fonéticas básicas e significados comuns, assim como pode ser mais rebuscada, com ortografias que exijam um nível maior de atenção tanto para a leitura, quanto para a compreensão.

Como exemplo, a palavra "pleonasticamente" (que escrevi agora há pouco). No sentido cognitivo, ela precisa ser "dividida" na leitura, já que o olho percorre a palavra inteira e a enxerga como um todo antes de levar ao cérebro o significado adequado.

estética SONORA funciona na mente do leitor, a "voz" do nosso pensamento. Aqui não só interfere a fonética das sílabas, que soem belas ou feias aos ouvidos e não aos olhos, mas principalmente o ritmo dado pela gramática, pela construção das frases.

É aqui que faz sentido (e o que a gente aprende desde as primeiras séries na escola) o uso das vírgulas, das pontuações, etc. Entram aqui também as frases curtas ou longas, os famosos "tijolos de texto" (quando o parágrafo é gigante) e a divergência quando as letras e sílabas tem sons diferentes na leitura.

Por exemplo, "skate" não se lê "sikáte", mas sim "esqueite" - e essa última existe oficialmente no nosso idioma, assim como esqueitismo, embora muitos só conheçam o importado "skateboarding".

Até aqui, o básico. Quando digo que me preocupo com estética textual na redação, estou falando de Arte.


ARTE TEXTUAL

Quem estuda arte, sabe que nem todo desenho é arte, nem toda escultura é arte e, da mesma forma, nem toda redação é arte. Às vezes ouço ou leio a expressão "a arte de escrever", mas significando apenas "o domínio das técnicas de escrita".

Na wikipédia (tão crucificada), encontrei o seguinte:

Arte (do latim ars, significando técnica e/ou habilidade) pode ser entendida como a atividade humana ligada às manifestações de ordem estética ou comunicativa, realizada por meio de uma grande variedade de linguagens, tais como: arquitetura, escultura, pintura, escrita, música, dança e cinema, em suas variadas combinações. O processo criativo se dá a partir da percepção com o intuito de expressar emoções e ideias, objetivando um significado único e diferente para cada obra.

É aqui que o bicho pega. No dia a dia, especialmente do jornalismo - minha área -, a correria faz com que as pessoas se preocupem mais em "passar a informação por meio da escrita" do que "informar de um jeito cativante". Muitos dizem que, "se tiver tempo, faz bonitinho; se não, vai assim mesmo".

Eu sou da filosofia de que criatividade e poética melhoram-se a partir do exercício do autor e não apenas da inspiração repentina. Por isso, minha preocupação em cuidar da estética já desde a primeira frase. Isso não toma mais tempo do que escrever do jeito básico.

Aliás, o "bom básico" só se alcança quando se domina a estética textual (visual e sonora), para tudo; o "mau básico" é quando a mensagem está ali, com sentido, mas de uma forma desinteressante, quando não também confusa. O que parece muito claro para o escritor pode ser (e geralmente é) bem mais difícil para o leitor.


LINGUAGEM E ESTÉTICA

A estética textual na redação também é influenciada pela linguagem utilizada. Porém, a linguagem está intimamente ligada à estética sonora, mais que a visual. É comum exigir do leitor um pouco do reforço visual na leitura para que a sonoridade compense.

Meu primeiro contato com um exemplo disso foi lendo, desde criança, os gibis do Chico Bento. Quando o menino fala…

"Ara, fessora, dispois eu é qui sô disingonçado"

…o leitor é meio que forçado a compreender, pela linguagem e pela estética "feia" da escrita, o sotaque que é do interior, que impacta diretamente na sonoridade da leitura na nossa mente (também uma estética), dando assim vida à personagem, vida à literatura.

Quando a escrita, o conjunto textual, ganha VIDA, ganha beleza por meio de um sentido cognitivo (objetivo ou subjetivo, material ou abstrato, racional ou emocional), você sabe então que aquilo virou ARTE.


POESIA, MAS NÃO EM POEMAS

É possível trazer poesia a qualquer texto, inclusive redação (literária), sem necessariamente se tratar de um poema.

Já que estou escrevendo sobre a minha experiência, quero compartilhar um lead poético que fiz recentemente.

Lead é o nome jornalístico para o primeiro parágrafo de uma matéria, geralmente onde situam-se os "quem, o quê, quando, onde, como e porquê" de um fato.

Porém, em matérias não-factuais, especialmente na minha área de Jornalismo Cultural, é possível fugir do tradicionalismo. Lembrando que, para quebrar uma regra, é preciso antes dominá-la muito bem.

Uma das regras quebradas foi estender o lead para além de um único parágrafo, como sempre mandou o próprio conceito da coisa. A matéria é sobre roupas artesanais, e comecei o texto assim:

Ela gostava de moda. Ele gostava de desenhar. Ela tingia roupas de forma exclusiva. Ele ilustrava camisetas com desenhos improvisados. Um dia ela conheceu ele, e ele se apaixonou por ela. E os dois gostos se uniram. Mais que isso: nasceu ali, além de um namoro, um novo projeto de arte (ou de moda... ou as duas coisas).

Ela, Sarah Calazan Machado, estilista, 25 anos. Ele, Alex Cardoso dos Santos, músico, 26. Há apenas oito meses, o destino, a vida ou o universo colocou um no caminho do outro, e surgiu assim o primeiro projeto independente de moda alternativa de Araranguá: o "Trisklelion" (calma, se lê "traisklion").

Essa é a redação, porque o texto mesmo depende da diagramação (montagem na página do jornal, com fotos, largura das colunas, entre outros elementos gráficos já compostos).

Ainda assim, esse lead contém quem são as personagens, o que fizeram, quando fizeram, onde fizeram, como fizeram e o porquê.

Uns chamam esse estilo de jornalismo literário, outros de crônica jornalística, enfim... apenas me preocupo em o texto ter uma estética própria, ou seja, que tenha um rosto único (estética visual) e uma voz única (estética sonora), para que, assim, ele ganhe individualidade, pessoalidade - em outras palavras, vida própria.

Lembrando que agregar poesia a um texto não necessariamente significa trazer romantismo ou melosidade. Poesia também se expressa em textos cômicos, de suspense ou até mesmo um simples narrativo.


ESCRITOR x LEITOR

Até mesmo a poesia que "não funciona" é válida. Isso ocorre quando o escritor força uma frase, uma palavra ou uma sensação, enquanto apresenta uma informação. É válida porque, agradando ou não o gosto do leitor, percebe-se a existência de uma tentativa e ainda subentende-se que a construção daquele texto passou também por uma estratégia de elaboração estética.

Isso faz com que o leitor se sinta valorizado enquanto principal agente receptor daquele texto. É a velha história da comunicação social: o leitor precisa sentir que o texto fala para ele, e não com "um público-alvo", nem "uma massa", etc., mas com ele, a pessoa, o José, a Paula, o Alex…

Veja bem, não é sobre tentar diálogo, é sobre o leitor se sentir valorizado enquanto leitor. E o escritor não valoriza o leitor quando lhe entrega apenas uma redação ou um texto esteticamente desleixado. A meu ver, é esse respeito que faz toda a diferença.


CONSIDERAÇÕES

Bom, eu, Djonatha Geremias, escrevi essa postagem apenas para compartilhar um pouco da minha visão sobre escrita. Se você for eventualmente compartilhar esse conteúdo de qualquer forma, não esquece, por gentileza, de dar o crédito e, se possível, me avisar. Obrigado!

No mais, fique à vontade para comentar :)

Lembrando que não sou formado em Letras nem em Artes, mas sim em Jornalismo, então relevem (ou me avisem) se escrevi algum conceito errado dessas outras áreas. Abraço!